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SEDE
eugene o'neill

Cavalheiro:

Lembras-te quando se sentiu o choque ? Estávamos todos no salão. Tu estavas a cantar – uma canção inglesa ? Estavas muito bonita. Lembro-me de uma mulher à minha direita a dizer : “Que bonita que ela é ! Será casada ?” . Estranho como uma observação tão idiota fica gravada na memória quando tudo o resto é vago e confuso. Acontece uma tragédia – estamos no meio dela – e aquilo de que melhor nos lembramos mais tarde é um comentário que podia ter sido ouvido numa qualquer carruagem do metro. Tu eras muito bonita. Olhava-te e pensava que tipo de mulher serias. Sabes que nunca te conheci pessoalmente – só te tinha visto quando passeava no convés. Então deu-se o choque - aquele choque estúpido, horrível. Fomos todos atirados para o chão do salão ; depois os gritos, pessoas a praguejar, mulheres que desmaiavam, o estrondo profundo de um telhado a ceder. De repente estava no meio do convés debatendo-me com a multidão. Não sei como consegui entrar num salva-vidas – mas estava sobrelotado e afundou-se imediatamente. Nadei até outro . Bateram-me com os remos. Momentos depois, também esse se afundou.

Depois o gorgolejar, os gritos asfixiantes dos afogados ! Algo enorme dentro da água passou rapidamente por mim deixando um rasto brilhante de fosforescência. Perto de mim uma mulher com um colete de salvação deu um grito agonizante e desapareceu – então percebi – tubarões ! Fiquei paralisado de terror. Nadei. Bati com as mãos na água. O navio afundara-se. Nadei e nadei apenas com uma ideia – deixar para trás todo aquele horror. À minha frente vi uma coisa branca na água. Agarrei-a – subi para ela. Era esta jangada. Tu e ele estavam nela. Desmaiei. Tudo isto é um pesadelo horrível dentro da minha cabeça – mas lembro-me claramente do comentário idiota daquela mulher no salão. Que criaturas tão dignas de pena que nós somos !